Carta
de Diogneto - cerca do ano 120 d.C
Escrita cerca do ano 120 d.C, esta Carta é um dos mais
antigos documentos que conta a vida dos primeiros cristãos; é considerada a
"jóia da literatura cristã primitiva". Trata-se do testemunho escrito
por um cristão anônimo respondendo à indagação de Diogneto, pagão culto,
desejoso de conhecer melhor a nova religião que se espalhava com tanta rapidez
pelas províncias do Império Romano, impressionado pela maneira como os cristãos
desprezavam o mundo, a morte e os deuses pagãos, pelo amor com que se amavam,
queria saber: que Deus era aquele em que confiavam e que gênero de culto lhe
prestavam; de onde vinham e por que razões aparecera na história tão tarde.
Foi para responde a estas e outras questões de igual
importância que foi escrita esta carta que conhecemos como a Carta a Diogneto.
Contudo, mais que um documento histórico, esta carta é um
valioso exame de consciência para sabermos se estamos, de fato, vivendo como
verdadeiros cristãos.
Apresentamos aqui apenas um pequeno trecho que mostra
claramente como os cristãos viviam:
Traduzido por Luiz Fernando Karps Pasquotto
Exórdio
Excelentíssimo Diogneto,
Vejo que te interessas em aprender a religião dos
cristãos e que, muito sábia e cuidadosamente te informaste sobre eles: Qual é
esse Deus no qual confiam e como o veneram, para que todos eles desdenhem o
mundo, desprezem a morte, e não considerem os deuses que os gregos reconhecem,
nem observem a crença dos judeus; que tipo de amor é esse que eles têm uns para
com os outros; e, finalmente, por que esta nova estirpe ou gênero de vida
apareceu agora e não antes. Aprovo este teu desejo e peço a Deus, o qual preside
tanto o nosso falar como o nosso ouvir, que me conceda dizer de tal modo que,
ao escutar, te tornes melhor; e assim, ao escutares, não se arrependa aquele
que falou.
Os
mistérios cristãos
Os cristãos, de fato, não se distinguem dos outros
homens, nem por sua terra, nem por sua língua ou costumes. Com efeito, não
moram em cidades próprias, nem falam língua estranha, nem têm algum modo especial
de viver. Sua doutrina não foi inventada por eles, graças ao talento e a
especulação de homens curiosos, nem professam, como outros, algum ensinamento
humano. Pelo contrário, vivendo em casa gregas e bárbaras, conforme a sorte de
cada um, e adaptando-se aos costumes do lugar quanto à roupa, ao alimento e ao
resto, testemunham um modo de vida admirável e, sem dúvida, paradoxal. Vivem na
sua pátria, mas como forasteiros; participam de tudo como cristãos e suportam
tudo como estrangeiros.Toda pátria estrangeira é pátria deles, a cada pátria é
estrangeira. Casam-se como todos e geram filhos, mas não abandonam os
recém-nascidos. Põe a mesa em comum, mas não o leito; estão na carne, mas não
vivem segundo a carne; moram na terra, mas têm sua cidadania no céu; obedecem
as leis estabelecidas, as com sua vida ultrapassam as leis; amam a todos e são
perseguidos por todos; são desconhecidos e, apesar disso, condenados; são
mortos e, deste modo, lhes é dada a vida; são pobres e enriquecem a muitos;
carecem de tudo e tem abundância de tudo; são desprezados e, no desprezo,
tornam-se glorificados; são amaldiçoados e, depois, proclamados justos; são
injuriados, e bendizem; são maltratados, e honram; fazem o bem, e são punidos
como malfeitores; são condenados, e se alegram como se recebessem a vida. Pelos
judeus são combatidos como estrangeiros, pelos gregos são perseguidos, a
aqueles que os odeiam não saberiam dizer o motivo do ódio.
A
alma do mundo
Em poucas palavras, assim como a alma está no corpo, assim
estão os cristãos no mundo. A alma está espalhada por todas as partes do corpo,
e os cristãos estão em todas as partes do mundo. A alma habita no corpo, mas
não procede do corpo; os cristãos habitam no mundo, mas não são do mundo.A alma
invisível está contida num corpo visível; os cristãos são vistos no mundo, mas
sua religião é invisível. A carne odeia e combate a alma, embora não tenha
recebido nenhuma ofensa dela, porque esta a impede de gozar dos prazeres;
embora não tenha recebido injustiça dos cristãos, o mundo os odeia, porque
estes se opõem aos prazeres. A alma ama a carne e os membros que a odeiam;
também os cristãos amam aqueles que os odeiam. A alma está contida no corpo,
mas é ela que sustenta o corpo; também os cristãos estão no mundo como numa
prisão, mas são eles que sustentam o mundo.A alma imortal habita em uma tenda
mortal; também os cristãos habitam como estrangeiros em moradas que se
corrompem, esperando a incorruptibilidade nos céus. Maltratada em comidas e
bebidas, a alma torna-se melhor; também os cristãos, maltratados, a cada dia
mais se multiplicam. Tal é o posto que Deus lhes determinou, e não lhes é
lícito dele desertar.
Origem
divina do cristianismo
De fato, como já disse, não é uma invenção humana que
lhes foi transmitida, nem julgam digno observar com tanto cuidado um pensamento
mortal, nem se lhes confiou a administração de mistérios humanos. Ao contrario,
aquele que é verdadeiramente senhor e criador de tudo, o Deus invisível, ele
próprio fez descer do céu, para o meio dos homens, a verdade, a palavra santa e
incompreensível, e a colocou em seus corações. Fez isso, não m,andando para os
homens, como alguém poderia imaginar, algum dos seus servos, ou um anjo, ou
algum príncipe daqueles que governam as coisas terrestres, ou algum dos que são
encarregados das administrações dos céus, mas o próprio artífice e criador do
universo; aquele por meio do qual ele criou os céus e através do qual encerrou
o mar em seus limites; aquele cujo mistério todos os elementos guardam
fielmente; aquele de cuja mão o sol recebeu as medidas que deve observar em seu
curso cotidiano; aquele a quem a lua obedece, quando lhe manda luzir durante a
noite; aquele a quem obedecem as estrelas que formam o séqüito da lua em seu
percurso; aquele que, finalmente, por meio do qual todo foi ordenado,
delimitado e disposto: os céus e as coisas que existem nos céus, a terra e as
coisas que existem na terra, o mar e as coisas que existem no mar, o fogo, o
ar, o abismo, aquilo que está no alto, o que está no profundo e o que está no
meio. Foi esse que Deus enviou. Talvez, como alguém poderia pensar, será que o
enviou para que existisse uma tirania ou para infundir-nos medo e prostração?
De modo algum. Ao contrário, enviou-o com clemência e mansidão, como um rei que
envia seu filho. Deus o enviou, e o enviou como homem para os homens; enviou-o
para nos salvar, para persuadir, e não para violentar, pois em Deus não há
violência. Enviou-o para chamar, e não para castigar; enviou-o, finalmente,
para amar, e não para julgar. Ele o enviará para julgar, e quem poderá suportar
sua presença? Não vês como os cristãos são jogados às feras, para que reneguem
o Senhor, e não se deixam vencer? Não vês como quanto mais são castigados com a
morte, tanto mais outros se multiplicam? Isso não parece obra humana. Isso
pertence ao poder de Deus e prova a sua presença.
0 comentários:
Postar um comentário